Solar dos Abacaxis prepara novo fundo colaborativo e procura novo espaço no Centro


O Solar dos Abacaxis prepara novo fundo colaborativo em parceria com mais cinco instituições culturais independentes para apoiar artistas emergentes e em situações de vulnerabilidade. A primeira ação, “Brotar”, beneficiará até setembro 36 artistas. Junto a isso, a instituição deixa sua casa centenária no Cosme Velho, sua sede desde 2015, e busca por um novo espaço no Centro da cidade. Ainda neste semestre será lançada uma plataforma expositiva online experimental e interativa projetada junto com O Grupo Inteiro que funcionará como uma memória das exposições e eventos que o Solar recebeu ao longo de seus mais de 5 anos de funcionamento em sua sede na Zona Sul.
O Instituto Solar dos Abacaxis, dirigido por Bernardo Mosqueira e Adriano Carneiro de Mendonça, e integrado também por Catarina Duncan, curadora, e Ana Clara Simões Lopes, curadora-assistente, entre outros nomes, cria o Fundo Colaborativo, que será gerido por uma coligação formada por mais cinco instituições parceiras: Casa do Povo e Pivô (São Paulo); Chão SLZ (São Luís); Galeria Maumau (Recife); e JA.CA (Belo Horizonte). A primeira ação é o programa Brotar, em que seis artistas de diversas regiões do país receberão, cada um, fomento de R$800. Por sua vez, cada um desses artistas indicará um outro para também receber este fomento, formando assim uma corrente de cuidado que se estenderá a mais seis ciclos, totalizando 36 beneficiados. “Dessa forma, os próprios artistas são responsáveis pelo desenvolvimento dessa rede de cuidado, troca, aprendizado e solidariedade”, explica Catarina Duncan.
Esta iniciativa é desdobramento do Fundo Colaborativo Emergencial para Artistas e Criadorxs, ou FunColab, criado pelo Solar dos Abacaxis em abril de 2020, como uma frente de ação diante da pandemia, e que “nasceu como uma rede de cuidado e solidariedade com o objetivo de apoiar artistas emergentes em situações de vulnerabilidade, tendo realizado até agora quatro grandes ações de distribuição de recursos, beneficiando 31 artistas, três coletivos, e oito instituições, com um total de R$ 280 mil arrecadados”, contam Bernardo Mosqueira e Adriano Carneiro de Mendonça.
A ação pode ser apoiada aqui.
Busca por uma nova sede e a saída da Zona Sul
Inaugurado em dezembro de 2015 em uma casa centenária no Cosme Velho, bairro da Zona Sul do Rio, o Solar dos Abacaxis ganhou notoriedade no circuito brasileiro e no internacional da arte a partir das dezenas de eventos realizados até fevereiro de 2020, frequentados por artistas, curadores, e líderes de instituições brasileiras e estrangeiras, que passaram por lá para ver as inventivas curadorias e novas formas de se estar junto por meio da arte. O espaço, a antiga “Casa dos Abacaxis”, data de 1843 e já foi ponto de encontro frequentado artistas e intelectuais como Carlos Drummond de Andrade e Lucio Costa entre outras personalidades nos anos 1950 e 1960. Joia arquitetônica, primeiro edifício neoclássico desenhado por um arquiteto brasileiro, Jose Maria Jacintho Rebello, aprendiz de Grandjean de Montigny, líder da Missão Artística Francesa, o casarão do Cosme Velho é tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) e protegido pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH).
Em 2019, após três anos de negociações com o grupo de herdeiros para a aquisição do imóvel pelo Instituto, os proprietários o colocaram a venda. O Solar, nesse momento já com reconhecimento institucional público, anunciou, durante sua participação na ArtRio, uma campanha para a aquisição da casa, que foi apoiada por outras instituições participantes da feira, como o MAM Rio e EAV Parque Lage. Porém, no final do mesmo ano, o casarão do Cosme Velho foi inesperadamente posto em leilão judicial por dívidas antigas de IPTU anteriores à gestão do Instituto Solar dos Abacaxis. Um grupo de empresários se formou em parceria com o Instituto para arrematar o imóvel no leilão a fim de dar continuidade às atividades culturais no casarão. Porém, com a pandemia, alguns desentendimentos ocorreram entre o grupo e o Instituto quanto ao uso do imóvel, levando a decisão de o Instituto Solar dos Abacaxis se retirar do imóvel e buscar novas possibilidades em áreas mais centrais e de mais fácil acesso, como o Centro da cidade e na região portuária.

Fachada do casarão com obra de Ana Lira no “Manjar: Para Habitar Liberdades”, Agosto de 2019. Foto de Renato Mangolin.
“O Instituto Solar dos Abacaxis é uma instituição cultural vibrante, democrática, engajada e colaborativa, e vemos uma grande oportunidade de sinergia com a ideia de retomada de atenção da Prefeitura à zona central do Rio”, destacam Bernardo Mosqueira e Adriano Carneiro de Mendonça. “Sempre colaboramos muito com artistas, criadores, coletivos e instituições do Centro da cidade, que junto com a Região Portuária são territórios de imensa produção cultural, com histórias e questões que se relacionam muito com nossas práticas. Nos interessam também a presença de importantes espaços públicos de convivência, e a articulação com sistemas modais de transporte, que aumentariam enormemente o acesso às nossas atividades. Estamos buscando locais e parceiros para isso”, complementam.
“Somos muito gratos pelo nosso encontro com a casa no Cosme Velho, em 2015. A experiência de imaginar as nossas ações a partir dela permitiu construir o que seria antes impensável. Sonhando junto à casa, pudemos realizar mais de trinta e cinco exposições e uma dúzia de outros programas, colaborando com mais de 200 artistas de diversas regiões do país e do mundo”, relata Bernardo Mosqueira “. “Mas, depois de cinco anos de discussões sobre o imóvel – tanto para garantir sua posse quanto sua manutenção física – percebemos que seria mais proveitoso usarmos nosso tempo, energia e afeto cuidando das relações com artistas e com a programação que oferecemos para as comunidades que nos formam”, completa Adriano Carneiro de Mendonça.
Uma nova plataforma virtual com memórias e novos projetos
Com lançamento previsto ainda neste semestre, o novo site do Solar dos Abacaxis projetado pelo coletivo O Grupo Inteiro abrigará toda a memória do Solar e será uma plataforma expositiva online experimental para novas ações, incluindo a possibilidade de se transformar para receber obras comissionadas especialmente para esta interface interativa. O site contará ainda com espaço para acessar portfólios, publicações e referências relativas aos artistas que colaboraram com a instituição nos últimos cinco anos, tornando-se também um espaço para pesquisa, troca e aprendizado.
Outro importante projeto em andamento é o Ciclo Solar, que prevê a realização de três edições de uma experiência artística em espaços públicos do Rio e na nova plataforma digital do Solar. Cada um dos ciclos se propõe a pensar a cidade do Rio de Janeiro a partir de diversos ângulos, como um espaço expositivo em que a arte ocupa locais não usuais, e acessa o público de maneira inusitada. Com as instituições fechadas e artistas isolados em suas casas e ateliês, a ideia é pensar novas formas para ativar o espaço virtual e expandir a experiência da arte para o espaço da cidade. “Tanto o corpo da cidade como os espaços virtuais são territórios de disputa, negociação, expressão e invenção. Nos interessa trabalhá-los como plataformas importantes de troca e criação”, explica Bernardo Mosqueira.
Cada ciclo parte de uma curadoria convidada do Brasil e de outros países da América Latina, reunindo artistas para desenvolverem outros projetos de mundo exercitados em espaços urbano e digital. Ao mesmo tempo em que serão apresentadas obras de artistas contemporâneos em espaços públicos no Rio, haverá desdobramentos na plataforma digital. Haverá ainda um programa pedagógico para as atividades digitais e físicas, além de ações sociais com foco em educação para crianças de oito a doze anos. O projeto, previsto para o próximo verão, foi aprovado pela Lei Federal de Incentivo à Cultura e está na fase de captação de patrocínio.
Imagem no topo: Ativação de obra de Bote da Jararaca realizada com crianças do Instituto Todos na Luta por ocasião do “Manjar: Somos Muitxs”, em Outubro de 2018. Foto de Renato Mangolin.