No dia 23 de outubro de 2025, às 18h, acontece a abertura da exposição “Eu estou aqui com toda minha gente”, com trabalhos inéditos e recentes do artista Jaime Lauriano (1985, São Paulo), na Galeria Nara Roesler do Rio de Janeiro. O texto crítico é de Ademar Britto.
No espaço maior do térreo da galeria, estarão, na parede frontal, quatro objetos da série “Pencas”, com esculturas de latão banhadas em cobre, penduradas em couro com argolas de latão, feitas este ano. As esculturas têm a forma de jatobás, búzios, um ogó de Exu, sinos, agogôs, quartinhas, alguidar, canecas, pemba, cachimbo e cabaça, elementos da ritualística
do candomblé e da umbanda, de modo a criar uma espécie de ofertório para a cultura afro-brasileira e a sua resistência ao longo da História do Brasil. Jaime Lauriano alude neste trabalho às joias crioulas dos séculos XVIII e XIX, consideradas um patrimônio da Bahia e da cultura afro-brasileira, que marcam a resistência negra contra o regime escravocrata, sendo uma das manifestações artísticas afrodescendentes mais antigas no país.
Os mapas, interesse recorrente na trajetória de Jaime Lauriano, estão presentes com a obra “A new andaccuratemapofthe world: democracia racial, êxodo, genocídio e invasão” (2025), composta por dois desenhos realizados em pemba branca – giz branco usado em terreiros de candomblé – e lápis dermatográfico sobre algodão preto, medindo cada um 150 x 170 cm. A série de trabalhos “democracia racial, êxodo, genocídio e invasão” recria, a partir das
ilustrações de mapas e cartas náuticas, uma das cenas mais emblemáticas da história recente da humanidade: as navegações e o “descobrimento do novo mundo”.
Entretanto, diferentemente de sua versão original, com cores prontas para retratar a exuberância da região recém-explorada, Lauriano usaum rebaixamento visual, pautado pelo branco sobre preto, fazendo uma releitura dos primeiros esforços de representação do sistema de exploração da madeira e da mão de obra indígena, a primeira força de trabalho do que mais tarde seria consolidado como um “país”. Lauriano contrapõe a representação
idílica existente nos mapas antigos inscrevendo termos como invasão, etnocídio,
democracia racial e apropriação cultural, retirados de livros que pautam a construção
da História do Brasil.
A escultura de parede “Autorretrato” (2025), constituída por uma grade de ferro e materiais diversos, foi pensada como um espaço para se meditar sobre a diáspora africana, e busca costurar o passado e o presente, a história social e a subjetividade. O projeto convida o público a um olhar sensível sobre a escravidão e seus ecos nos corpos negros. Com 85 x 35cm, a obra tem a exata medida da coluna vertebral de Jaime Lauriano, do pescoço ao
cóccix, e apresenta um padrão de construção de grades de ferro que usam o alfabeto Adinkra, um sistema de símbolos oriundos de Gana. Com ela, o artista resgata elementos formais e conceituais de sua pesquisa feitaa partir da arquitetura de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. Estarão pendurados na escultura objetos que remetem tanto à opressão exercida sobre os escravizados quanto à força da resistência e da herança cultural africana, em uma estética que evoca as memórias da infância do artista nos bairros periféricos paulistanos.
A pintura “Entradas em Minas Gerais” (2025), com 70 x 100 x 4 cm, faz parte da pesquisa que Jaime Lauriano desenvolve desde 2022, dedicada à revisão crítica de pinturas históricas que
moldaram a memória oficial do país. Ao revisitar imagens acadêmicas produzidas entre o final do século XIX e o início do século XX, o artista percebeu que a colonização foi “consistentemente apresentada de forma idealizada, transformada em um gesto heroico e civilizador”, ao passo que“as presenças, resistências e experiências de violência afro-indígenas foram sistematicamente silenciadas”. “Meu interesse reside em questionar essa operação, desmantelar sua lógica celebratória e transformar a pintura histórica em um contramonumento: não mais um local de consagração, mas um campo de disputa, atrito e reflexão”, diz. Lauriano “esvazia” a pintura de seus personagens, deixando apenas a paisagem.
Sobre essa superfície despovoada, ele aplica uma profusão de adesivos “que evocam tanto a violência colonial quanto a resistência afro-indígena”. Sobre a própria moldura, ele ainda instala figuras em miniatura que encenam uma batalha entre soldados coloniais e entidades da religiosidade afro-brasileira, como Zé Pilintra. “Desta forma, o passado não retorna como um mito pacificado, mas sim como um campo de conflito simbólico no qual a pintura se torna um território contestado”.
Única obra da exposição já mostrada ao público, “Na Bahia é São Jorge, no Rio São
Sebastião” (série “Recanto”) foi criada para a exposição “Aqui é o fim do mundo”,
em 2023, panorâmica dos quinze anos de trajetória de Jaime Lauriano,e que integrou
a programação comemorativa de dez anos do Museu de Arte do Rio (MAR), onde foi
apresentada. Com 120 x 140 x 2,5 cm, feita com tinta acrílica, adesivos, miniaturas em
chumbo e estampas sobre mdf, é “a paisagem da janela” de Heitor dos Prazeres (1898-1966), grande pintor carioca, e um dos pioneiros na composição de sambas.
Ao fundo do térreo da galeria Nara Roesler Rio de Janeiro, sob a claraboia, Jaime
Lauriano vai mostrar obras intimistas, como as sete da série “o sobrado de mamãe é
debaixo d’água”, criadas no período recente em que buscou ficar mais recolhido,
reflexivo, devido às limitações impostas por uma hérnia na coluna cervical. A partir de
uma fotografia que fez do final da praia de Copacabana, em 2023, Jaime Lauriano
criou uma série de paisagens, que representam diferentes estágios da luz, do
momento que antecede a aurora à meia-noite. O céu é feito de fita autoadesiva
reflexiva, nas cores cinza, dourada, prateada e preta, e, o mar, de tinta acrílica. As
obras “Sem título”medem, cada uma, 30 x 30 x 4,5 centímetros.